quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Participem: CARTA ABERTA AOS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO SOBRE O CASO DE SANTO ANDRÉ, SÃO PAULO.

O COLMEIAS – Coletivo de Mulheres, Educação, Intervenção e Ação Social, sediado na cidade de Campina Grande na Paraíba, organização não-governamental expressa através deste documento descontentamento com algumas atitudes tomadas nos últimos dias pelos veículos de comunicação brasileiros, em relação ao cárcere privado das adolescentes Eloá e Nayara.

Esta organização feminista pretende refletir sobre o posicionamento da mídia neste episódio, onde as questões referentes à violência contra a mulher não estão sendo consideradas relevantes. A mídia, principalmente a televisiva, tem apenas voltado suas atenções e discussões para a posição tomada pela polícia (GATE) durante as negociações e desfecho do caso, e, o caráter psicológico do acusado, bem como, suas atitudes durante o cárcere e posterior a invasão policial.

Como movimento que atua na educação, intervenção, prevenção e combate à violência contra a mulher no Estado da Paraíba tomamos a liberdade de nos pronunciarmos em relação a todos os fatos decorrentes desse fatídico acidente. Fatos estes que são repetidamente veiculados por algumas emissoras de televisão de forma apenas sensacionalista e não suscitando discussões válidas e profundas sobre as questões da violência contra a mulher.

Sobre a violência contra as mulheres no Brasil, ressaltamos a evolução das discussões sobre a temática, bem como, a parceria com o governo federal que com ações, políticas públicas e entidades debatem e tem coibido um pouco este tipo de violência; sempre apoiado pela República Federativa do Brasil que disponibiliza diversos incentivos. Mesmo assim, notam-se excessivos casos de violência contra as mulheres das diversas faixas etárias e classes sociais. E mais que isso: a banalização destes casos e da imagem da mulher na mídia em geral.

No dia 20 de outubro, Ana Lúcia Assad foi designada advogada de defesa do réu Lindemberg Alves Fernades. Ao relatar a uma emissora de televisão a motivação que a fez aceitar o caso, apoiou-se no fato de todo ser humano ter direito a defesa. Lei primeira do Direito. Ressaltamos aqui que toda mulher tem direito de ir e vir e de escolher com quem deseja ficar. E mais que isso, ela decide se quer ou não viver.

Ao ser questionada sobre as condições do já então assassino Lindemberg, a advogada através de uma carta escrita de próprio punho pelo acusado, expõe à mídia o réu em condição de vítima do Estado. Estado este, que como bem afirmou a senhora promotora de Justiça Eliana Passarelli, o protegeu durante mais de 100 horas. Ou seja, quase cinco dias inteiros em que ele era o agressor e Eloá e Nayara as vítimas.

O réu claramente escreve o que denominou de DECLARAÇÃO, palavras que o colocam no papel de vítima dentro da Casa de Detenção de Pinheiros em São Paulo. Com termos bem jurídicos, deixando claro assim que foi muito bem instruído por sua advogada, acaba comovendo a mídia que diz não o pré julgar, mas sim querer que o Estado lhe dê a proteção que ele merece. Não entrando no mérito, mas a polícia tem sim o papel de defendê-lo dentro de suas instituições. E é o que a polícia faz deixando-o isolado. Se os outros bandidos o ameaçam, não devem ser ouvidos, pois, bandidos são bandidos, indistintamente.

Esta ONG questiona o que leva a advogada a pensar que o réu deva ser transferido de São Paulo para outra penitenciária. Fica evidente que a Sra. Ana Lúcia Assad quer afastar o réu da proximidade geográfica do crime, bem como, da comoção dos habitantes do conjunto habitacional, de Santo André e de São Paulo.

Em entrevista à TV e posteriormente já no próprio programa que dava como exclusividade a primeira entrevista com a advogada de defesa, a Sra. Ana Lúcia chegou a questionar a saúde mental do réu e colocá-lo apenas como um homem que perde o controle devido ao fim de seu relacionamento amoroso. Se refletirmos sobre todas as mulheres que foram vítimas de seus companheiros teremos que aceitar com naturalidade assassinos cruéis deste tipo. Por que então não regredimos em nossas leis, e até mesmo na Constituição Brasileira, voltando a considerar, por exemplo, o adultério como crime sujeito a penalizações?

O que nos leva a manifestar repúdio à posição da mídia neste caso e em outros semelhantes é a evidência excessiva que se dá aos assassinos e não as vítimas. Até o momento o caso não foi analisado e discutido como uma violência contra a mulher! Até o momento não ouvimos falar da Lei Maria da Penha! Até o momento os movimentos de mulheres não foram ouvidos!

A mídia claramente não se mostra interessada em coibir e educar a população sobre o assunto. As mulheres hoje se expõem e são expostas vulgarmente pela televisão e outros veículos de comunicação. A que ponto chegamos? Duas adolescentes passam quatro dias em cárcere privado, sendo vítimas de agressões físicas, violência psicológica e várias privações, para ao final acabarem sendo agredidas à bala; uma morrendo e a outra sobrevivente que passará o resto de sua vida traumatizada.

Não discutimos aqui o papel da polícia, haja vista, que os laudos técnicos não foram concluídos e disponibilizados à sociedade. São todas elucubrações feitas mais uma vez pela mídia. Não podemos julgar a ação policial, porém, podemos questionar o porquê da demora por uma solução do caso, que evidentemente priorizou um homem em detrimento de duas mulheres vítimas. Se refletirmos, é mesmo uma questão histórica!

Que fique bem claro a todos: Eloá e Nayara foram e serão sempre as vítimas. Lindemberg é o assassino, o carcereiro de duas meninas ainda crianças. O que não deixa de configurar em uma violência contra a mulher. Se a moda pega!

O assassino confesso é do Estado da Paraíba que apresenta um índice de violência contra a mulher muito alto, com a maioria dos agressores saindo impune. Falar de Lei Maria da Penha na Paraíba é fácil. Mas, colocá-la em prática seria um verdadeiro milagre! Tentamos coibir, diminuir e erradicar a violência contra a mulher em nosso Estado, porém, fica cada vez mais difícil quando assistimos em diversos canais de televisão a preocupação e a atenção que se dá a um assassino eminente e posteriormente confesso.

Com o passar dos dias e das negociações ficou evidente que o caso se complicara para as duas meninas. E nem mesmo assim a polícia optou por elas. E sim, preferiu amparar um homem em seus 22 anos de idade, totalmente consciente de seus atos. Não o deteve quando pode deixando que o mesmo comandasse toda a situação.

Século 21, nação ainda patriarcal. Senhores homens de Estado, homens de políticas, homens assassinos. Famílias que entregam suas filhas crianças à relações de poder, com homens que as perseguem, as vigiam. Homens conscientes de suas ações. Famílias que educam as filhas para servirem aos homens indiscutivelmente, enquanto estes se consideram seus donos. Mulheres e crianças que são propriedade de um sistema patriarcal ainda vivo e atuante no Brasil.

É uma pena que as políticas públicas ainda não conseguiram coibir uma questão tão enraizada na cultura brasileira. Cultura machista, cultura das imagens vulgares e depreciativas com suas “mulheres frutas”. Quando isso vai acabar? Quando as mulheres vão tomar consciência da exploração que sofrem pela mídia, mas também em casa, no trabalho e na sociedade em geral?

O objetivo desta carta aberta aos veículos de comunicação (televisão, jornais, revistas, internet) é que os movimentos feministas participem, dialoguem nos meios de comunicação sobre esse ardente caso de Eloá e Nayara como mais um caso de violência contra as mulheres. Os movimentos de mulheres do Brasil querem meter a colher nesse assunto SIM!

Mulheres no mundo todo dão o sangue e a vida para acabar com a violência contra as mulheres. Chega de mártires falecidas ou violentadas como Ângela Diniz (morta com 32 anos), Margarida Maria Alves (morta com 40 anos), Maria da Penha Maia Fernandes (eletrocutada e aleijada aos 38 anos), Geísa Firmo Gonçalves (morta com 20 anos), Eloá Cristina Pimentel (morta com 15 anos) e Nayara Silva (marcada para o resto da vida, com apenas 15 anos).

Basta de Docs Street, pistoleiros a mando de usineiros e latifundiários, Marcos Antonios Herredia Vivero, policiais despreparados e Lindembergs Alves Fernandes! Basta de programas de auditório que chamam o público com os dizeres: “Quero voltar para o meu marido. Aceito apanhar!” É o fim do mundo! E a ética na comunicação?!

COLMEIAS – Coletivo de Mulheres, Educação, Intervenção e Ação Social

Escreva para o COLMEIAS apoiando essa causa informando seu nome, entidade e RG.

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